sexta-feira, 24 de abril de 2009

A luva



De que me serve ser artista se a minha arte só tem expressão em dois expoentes: a paixão e a dor. Que quando cruzam linhas soa melancólica e nada apraz a reviver a primeira ou aplacar a segunda. Que vale este jeito de contar tudo que sinto, se não encontra eco e só silêncios. Vivo com a emoção como primeira pele e ela ora é pálida ora cobreada e nada consigo vestir que dissimule esta disfunção dermatológica. Estendo palavras intermináveis como extensões do meu corpo, mil braços dum polvo, vinte cérebros siamases, um único coração que não cabe nem encontra canto onde caber. Rio às vezes. Choro ainda mais. Nos intervalos adormeço e tenho raiva deles pelo tanto que fica por escrever. Esta ética criativa, este monstro que me come e gorgola letras como penugens que não nascem para serem aladas, esta mão é uma garra pois dá-me a carícia do torniquete e não o calor do afago: os dedos crispam-se demasiado.
Curvo-me com respeito admirado àqueles que vão da ideia à primeira linha e desta a pontos finais como se só as personagens sentissem, rissem e chorassem, e a mão morde o papel com tinta que não é negra de sangue. Descarnada e despelada das suas emoções e violência e só ossadas assomam no contar alheio, timidez ou arte, cobardia, coragem ou distanciamento, tudo que nesta garra não me livro, ou obtenho. O contador da história única e desse jeito sou seu prisioneiro. Amar ou sofrer, sem meio-termo que funcione. Dissecar-me qual rã a olhos curiosos e até neles os meus. Sofrendo ou amando, em júbilo ou em dor. Que se cruzam algures na milésima edição do mesmo texto porque a dor insuportável não é essa, é o silêncio do hiato, é olhar a mão inútil e nada dela ler.



(imagem gamada aqui.)

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