sábado, 3 de maio de 2008

MANIFESTO EM DEFESA DA LÍNGUA PORTUGUESA

o texto do Manifesto (que parece-me desnecessário referir, é contra o 'Acordo Ortográfico') tem o teor abaixo:
...................................................
Ex.mo Senhor Presidente da República Portuguesa
Ex.mo Senhor Presidente da Assembleia da República Portuguesa
Ex.mo Senhor Primeiro-Ministro de Portugal
..................................................
1 – O uso oral e escrito da língua portuguesa degradou-se a um ponto de aviltamento inaceitável, porque fere irremediavelmente a nossa identidade multissecular e o riquíssimo legado civilizacional e histórico que recebemos e nos cumpre transmitir aos vindouros. Por culpa dos que a falam e escrevem, em particular os meios de comunicação social; mas ao Estado incumbem as maiores responsabilidades porque desagregou o sistema educacional, hoje sem qualidade, nomeadamente impondo programas da disciplina de Português nos graus básico e secundário sem valor científico nem pedagógico e desprezando o valor da História.Se queremos um Portugal condigno no difícil mundo de hoje, impõe-se que para o seu desenvolvimento sob todos os aspectos se ponha termo a esta situação com a maior urgência e lucidez.
2 – A agravar esta situação, sob o falso pretexto pedagógico de que a simplificação e uniformização linguística favoreceriam o combate ao analfabetismo (o que é historicamente errado), e estreitariam os laços culturais (nada o demonstra), lançou-se o chamado Acordo Ortográfico, pretendendo impor uma reforma da maneira de escrever mal concebida, desconchavada, sem critério de rigor, e nas suas prescrições atentatória da essência da língua e do nosso modelo de cultura. Reforma não só desnecessária mas perniciosa e de custos financeiros não calculados. Quando o que se impunha era recompor essa herança e enriquecê-la, atendendo ao princípio da diversidade, um dos vectores da União Europeia.Lamenta-se que as entidades que assim se arrogam autoridade para manipular a língua (sem que para tal gozem de legitimidade ou tenham competência) não tenham ponderado cuidadosamente os pareceres científicos e técnicos, como, por exemplo, o do Prof. Óscar Lopes, e avancem atabalhoadamente sem consultar escritores, cientistas, historiadores e organizações de criação cultural e investigação científica. Não há uma instituição única que possa substituir-se a toda esta comunidade, e só ampla discussão pública poderia justificar a aprovação de orientações a sugerir aos povos de língua portuguesa.
3 – O Ministério da Educação, porque organiza os diferentes graus de ensino, adopta programas das matérias, forma os professores, não pode limitar-se a aceitar injunções sem legitimidade, baseadas em “acordos” mais do que contestáveis. Tem de assumir uma posição clara de respeito pelas correntes de pensamento que representam a continuidade de um património de tanto valor e para ele contribuam com o progresso da língua dentro dos padrões da lógica, da instrumentalidade e do bom gosto. Sem delongas deve repor o estudo da literatura portuguesa na sua dignidade formativa.O Ministério da Cultura pode facilitar os encontros de escritores, linguistas, historiadores e outros criadores de cultura, e o trabalho de reflexão crítica e construtiva no sentido da maior eficácia instrumental e do aperfeiçoamento formal.
4 – O texto do chamado Acordo sofre de inúmeras imprecisões, erros e ambiguidades – não tem condições para servir de base a qualquer proposta normativa.É inaceitável a supressão da acentuação, bem como das impropriamente chamadas consoantes “mudas” – muitas das quais se lêem ou têm valor etimológico indispensável à boa compreensão das palavras.Não faz sentido o carácter facultativo que no texto do Acordo se prevê em numerosos casos, gerando-se a confusão.Convém que se estudem regras claras para a integração das palavras de outras línguas dos PALOP, de Timor e de outras zonas do mundo onde se fala o Português, na grafia da língua portuguesa.A transcrição de palavras de outras línguas e a sua eventual adaptação ao português devem fazer-se segundo as normas científicas internacionais (caso do árabe, por exemplo).
....................................................
Recusamos deixar-nos enredar em jogos de interesses, que nada leva a crer de proveito para a língua portuguesa. Para o desenvolvimento civilizacional por que os nossos povos anseiam é imperativa a formação de ampla base cultural (e não apenas a erradicação do analfabetismo), solidamente assente na herança que nos coube e construída segundo as linhas mestras do pensamento científico e dos valores da cidadania.
....................................................

3 comentários:

th disse...

Eu creio que já subscrevi, mas já então manifestei a minha opinião de que se devia aprender mais e melhor o português.
Mesmo neste manifesto há erros inaceitáveis de quem tinha a obrigação de ser mais cuidadoso.
Na comunicação social então nem se fala.
Aprenda-se o português!

Zé Paulo Gouvêa Lemos disse...

Eu não tenho a minima dúvida do bem e da necessidade do Acordo Ortográfico, e que me desculpe o Camões que tanto respeito.
Mas como desde o inicio alerto também não tenho dúvidas da necessidade de melhor esclarecer o texto do acordo e se necessário, e pessoalmente até acho necessário, melhorar o texto do acordo proposto e já assinado por alguns dos países envolvidos.
O que não se pode misturar é ao se perceber erros (no caso, erros técnicos, e não ortográfigos) no texto,- às vezes nem os percebem pois nem o conhecem -, é com isso concluirem que não faz sentido um Acordo Ortográfico entre países que escrevem e falam a mesma língua, língua espalhada pela história dos "Decobrimentos Portugueses". O resto, que me desculpem os que não concordam comigo, são puras vaidades e conservadorismos.
O que de bom li neste manifesto é a proposta de se juntar gente da área para melhor discutir o que é necessário melhorar na língua portuguesa e naproposta, mas que não fique o grupo restrito a "técnicos" portugueses, pois afinal não só em Portugal se fala a língua de Fernando Pessoa.
Um abraço para ti e um beijo para a Theo.
ZP

Carlos Gil disse...

olha ZP, para mim há outra óptica que, embora assente a sua argumentação e receios em 'lógicas de mercado', na sua essência vai cair no mesmo de todos os que defendem a não aplicação, nos moldes, prazos e 'obrigações', do Acordo na forma como ele se nos apresenta.

Portugal tem 10 milhões de residentes, vá lá mais 1 ou 2 milhões na 'diáspora', espalhados por aqui e ali;
Moçambique tem 20 milhões, mais coisa número menos número; Angola ainda menos; Cabo Verde, S. Tomé, Guiné-Bissau e Timor, em conjunto, não se chegarão aos 'nossos' dez milhões.
o Brasil tem 190 milhões de habitantes, falantes e escreventes de português na sua própria versão.
estes números 'falam' e dizem-nos que são mercados editoriais sem qualquer comparação nas suas dimensões. a exemplo, aqui a edição dum livro em 5.000 ex. já é um feito e não ao alcance de qualquer um; aí esse número é um acontecimento local, regional.

entre o 'Acordo' em vigor assim como está, e só tenho as naturais dúvidas filhas do imponderável em como daqui a 10 anos todos os manuais escolares, cá, aí, nos PALOP'S e em Timor são produzidos/editados no Brasil ou suas sucursais-'Regionais', e acrescenta-lhe mais 10 anos e 'todos' falarão/escreverão em "brasilês". a unificação será como a globalização - mas neste caso como "assassina" e "vampira" duma língua que se mantêm como matriz a todas as outras que dela derivaram, com naturais e (belas) variantes locais que só a enriquecem. também o "português clássico" (o de cá) adoptou e usa, renovando-se e revitalizando-se assim, muitas expressões oriundas doutras regiões, as atrás faladas. mas isso não é uma Revolução como este 'Acordo' pretende impor. má Revolução ao caso.

eu leio livros em português-clássico, alguns em português-brasileiro e até aceito como havendo diferenças nos escritos em português-moçambicano, angolano, etc. riqueza derivada da diversidade cultural - e assim preservada. o "vosso" gigantismo num ápice histórico acabaria com o "clássico" e transformava-o em lingurejar de velhos jarretas e de excêntricos, baforentas bibliotecas e estudiosos do latim e seus derivados finados.

imagina que um acordo semelhante era assinado entre os USA e a Inglaterra. entre 300 milhões e 80. entre uma variante muito específica e adaptada e adoptada por duzentos anos de separação cultural, e a sua raiz que, acho que aí todos concordaremos, é melhor falada e escrita. dava cáca e não era pequena. mesmo os grandes escritores norte-americanos que atingiram o patamar de Clássicos (Faulkner, Hemingway e mais uma catrefa deles) escreviam não como falavam no seu dia-dia, certamente. e também felizmente, sem desprimor pelos novos autores-coloquiais, mas não abdicando de ver entre ambos uma diferença e sem dúvidas de para que lado se inclina a balança que municia as canetas.

este Acordo será a vigília fúnebre da nossa língua-mãe, enquanto 'viva'. eu - e parece-me que desta vez estou integrado numa multidão, vá lá... - não queremos dar pázadas para essa cova.

forte abraço para ti e um beijinho à resmungona da Theo :-)